pelos 30!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Descubra-te a ti mesmo...


>>> Por três minutos, tentei explicar a confusão de minha cabeça; no entanto, nem eu mesmo sabia como dizer o que pensava daquilo tudo. Petro olhava para o asfalto ainda agachado, buscava desenhar com o bico do sapato a sombra de minha cabeça. Juro que eu queria entender o que pensava ele também. Tirou um cigarro, tentou várias vezes acender o isqueiro. Sem fogo, sem gás! Atirou-o ao longe.
“Ei! Você está louco? Acertou em mim!”- retrucou o guri com skate na mão, retribuindo o gesto ofensivo. Tinha razão. Desviei do objeto quando veio contra mim.
“Foi mal!” – ele disse – “queria atirar no outro palhaço gêmeo”.
“Você descarrega a ira no garoto?”
“Pedro, o que você acha de tudo isso?”
“Não acho nada, apenas estranho. Tenho algumas hipóteses. Há exatos dois anos eu estava para fazer 30. Eu nunca me importei com aniversários. Quando alguns amigos me cobravam uma cerveja, sei lá, um gesto comemorativo, eu evitava. Quantas vezes eu preferi me esconder. Achava ridículo tudo aquilo. Mas nessa época era diferente: faltavam dois dias para dobrar minha quinzena. Vinte nove assopros de vela, isso era ridículo. para mim. Então Rafael Lins, um dos amigos de infãncia, me liga e diz: cara, hoje é seu aniversário, parabéns., eu não posso esquecer. Dez minutos e estarei aí...”
“Sim, aonde você quer chegar? Onde entro nessa história?”
“Daí Rafael aparece. Era um amigo de muito tempo, mas fazia oito que não nos víamos. Estava diferente, mantinha a mesma juventude de quando o vi pela última vez. Incrível! Meio sonhador também. Disse que tinha pouco tempo por ali, estava em um evento acadêmico. Resolvera me ver... Quem lhe deu meu novo número? Nunca soube, nem perguntei. Resolvemos sair com alguns outros colegas da cidade. Só eu o conhecia...”
“Diz logo, cara! Aonde você quer chegar?”
“... ele disse que precisava falar comigo, me ver, pois, naquele dia, seu irmão - que muito se parecia comigo - fazia aniversário. Porém, fazia dois anos que o suposto havia sido assassinado. Me arrepiei, é como se ele anunciasse minha morte com essa notícia. Eu sinto muito, eu disse. Ele sempre se referia ao irmão comparando a mim, tinha essa mania inquietante. Mas o irmão, segundo ele, morava com a mãe. Ele, com o pai. Minutos depois dessa conversa, alguém liga para ele, que se despede de mim com um abraço bem forte dizendo “queria sentir o cheiro do abraço que meu irmão não teve tempo de me devolver.” Suei frio, e o larguei.
“O que isso tem a ver comigo, Pedro?”
“Cara, as hipóteses são as seguintes: ou ele estava mentindo com a história da morte do irmão; ou ele matou o irmão ao insinuar um abraço; ou ele nunca teve irmão, e a mentira era a forma de alimentar um desejo marcado na falta, na ausência; ou, decerto, sempre falou a verdade e, nesse caso, o irmão dele é você. Eu não vejo outra saída!”
“Você está louco! Você é louco, Pedro...você é patético! Onde você aprendeu a enrolar uma história não te ensinaram que enredo mal contado enforca o autor na incoerências das palavras?”
“O problema agora, Petro, não é mais meu... descubra-te a ti mesmo!”
Ele enraivecido nem se despediu, atirou o celular ao alto acertando a vidraça de um prédio. Estilhaços no chão; fingi que não vi. Certamente era para que eu nunca mais lhe ligasse, mas esqueceu-se que pela manhã havia me enviado um email.
O sol ainda forte lá ao longe e um vento frio pelas esquinas da cidade. Se o ar tivesse cores naquele isntante, eu veria um vento vermelho fazendo curvas por onde ele passava. Poderia seguir seu cheiro de cigarro molhado. Mas agora era diferente, o aroma era diferente, eu poderia sentir isso ainda ali. Vi-o se camuflando aos poucos entre um passante e outro, enquanto ele jogava cigarros pelo chão até perder-se na multidão. Era como se eu tivesse ali perambulando até me ver perdido na multidão. Conhecer alguém que carrega nossos traços nos leva a encarar a nós próprios como seres desconhecidos, patéticos; é ver como nos conhecemos pouco.
Eu havia mentido. Não sobre as hipóteses, mas sobre o que disse ao reescrever a frase socrática. O problema não era só dele, era tão meu quanto do Petro a partir daquele instante. Justo eu que pensava que me conhecia bem. Pedro Lins. Qual mistério estava em torno de meu sobrenome? De nossos três sobrenomes...

domingo, 13 de junho de 2010

O vazio de um silêncio rackeado...



>>> Oi você,

Eu vivi 10 dias de angústia por um motivo muito cruel: invasão de hackers! Isso mesmo. Não tenho outro argumento senão culpar alguém que tenha agido ou levado um programa a agir com tamanha maldade, senão má fé.
O fato é que, no dia 26, postei o texto abaixo e, devido a uma viagem, só pude acessar ao Mémoires de ses 30 ans no dia 1º de junho quando li o comentário do Getulio Fernandes do  Mundo do Gê, que escreveu - como sempre tão prestativo - para deixar um selo comemorativo. Fiquei feliz, mas, no momento, como estava prestes a partir, não teria tempo para lhe responder, muito menos receber a bela homenagem. Deixei para quando voltasse três dias depois.
Estando no hotel, no dia seguinte, tentei acessar este blog sem logar e vi mais um comentário, desta vez era do Jefhcardoso. Como tinha um tempo livre, pensei em lhe responder logo, mas precisava entrar com a senha: veio o susto! O administrador do Google avisa: “esta conta foi excluída!” Como assim? - eu disse. Tentei novamente, poderia ser erro de senha... estranho! Por que não apareceu a mensagem “O nome de usuário e senha digitados são incorretos”? Tentei novamente, nada certo. Tudo estava correto, mas a mensagem nova persistia: “esta conta foi excluída”.
Então a opção era tentar pelo próprio site do Blogger. A angústia aumentou quando constatei outro aviso: este blog foi removido e seu endereço está indisponível no momento (não era bem estas palavras, mas a ideia).  Como não sou nada versado nestas questões que envolvem privacidade e violação de direito público ou privado na internet, crimes na rede ou infração on line, procurei um amigo para me orientar. Ele me disse que ou o blog teria sido vítima de hackers ou eu havia violado os direitos autorais de alguém e, por isso, a Google resolvera suspender a conta temporariamente. Impossível ser este segundo argumento, afinal me preocupo muito com essa questão. Todos os textos verbais são de minha autoria, algumas fotos são do arquivo pessoal, outras encontro em sites dos quais faço questão de citar a fonte incluindo símbolos, charges e outras imagens que eu venha a usar como esta posta acima.
Tentei escrever à Google, procurar explicação, mas, antes disso deveria estudar sua política, suas normas. Não tinha tempo para isso ali no hotel. Mas em todas as oportunidades que tive durante estes dez dias para acessar a página, não lograva êxito. Deixei para quando voltasse com mais tempo e paciência para pensar.
Hoje, felizmente, através do sistema de envio de código ao celular (um novo procedimento da Google), consegui recuperar a conta e, consequentemente, salvar uma nova senha. De imediato, vi um email (sem título no “Assunto”) de um contato estranho em resposta a mim, desde o dia 4, dizendo que eu havia lhe enviado um vírus, mas, por sorte, o antivirus de sua empresa o havia alertado imediatamente. Ele parecia enfurecido em apenas três linhas.
Consultei o arquivo “enviados”, mas nada havia! Fui à lixeira e uma surpresa: um email de minha conta havia sido encaminhado a vários contatos desconhecidos com nome de universidade, empresas, etc. com apenas um endereço de site de terminação “.us”.  Pensei um pouco e logo entendi que “o(a) espertinho(a)” havia entrado na conta, enviado o tal site aos contatos, apagado a mensagem na caixa de “emails enviados”, que foi parar na lixeira para a minha salvação. Como mentira tem perna curta, e a linguagem é o único caminho responsável para desmascará-la, pude ter de volta o Mémoires. Segundo a política de segurança da Google, jamais eu o recuperaria se o infrator tivesse excluído texto por texto e depois o site todo. Mesmo assim o endereço do site eu poderia resgatar, a menos que alguém o ativasse com novo email.

A maior angústia: Pelo que muitos leitores já perceberam, especularam, questionaram etc., este blog é um gênero com características muito diferentes daqueles que estamos acostumados a ler neste mundo virtual; mas também é parecido com vários outros gêneros. Eis aqui o paradoxo: ora pensa-se que é um diário, ora um espaço de publicação de contos; ora vê-se muito parecido com outro blog que se leu não se sabe quando nem onde; ora como um romance, cuja trama vai levando o leitor para espaços macabros como aqueles habitados por muitos de nós, isto é, dentro de nós mesmos. É um romance? Em verdade, não sei! Há quem diga que aqui se vê ficção e realidade. E eu pergunto: qual o limite entre a ficção e a realidade no que podemos viver?
Diante das agruras provocadas pelo desgraçado do hacker, tive alguns pensamentos bastante desconfortáveis, que me entristeceram nestes 10 dias: pensei que nunca mais poderia achar e ler os blogs que acabei pondo na lista aqui ao lado; pensei que nunca mais poderia ler os comentários tão felizes e somadores como os de Getúlio, Rafael, Zélia; achei que não mais teria a oportunidade de ler os poemas dela, afinal não havia gravado o endereço; imaginei que não poderia acompanhar as narrativas de JefhCardoso e as belas crônicas diárias do estagiário Renato Orlandi no Rê Confessions. Pensei também que Luis Fabiano, Clenio, Cristiano, Rafa do Rio, Douglas, Paulo, Mary, Marcelo Cajuí, Leca, Germano e muitos outros - que, às vezes, passam por aqui - iriam pensar que o Petro havia excluído o Memoires e resolvido se atirar de um prédio de 20 andares, depois que entrou em crise com se pode ler no texto abaixo. E pior ainda: a maior angústia é pensar que, no final das contas, muitas destas pessoas nem sequer sentiram falta do silêncio hackeado, e se perceberam tal sausência logo depois esqueceram e o vazio vai se preenchendo com outras coisas, outros blogs, novas pessoas... outras memórias neste mundo internético. 
Enfim, a angústia de ser violado, de ser roubado, de ser corrompido, de ter as ideias vetadas, de não poder mais ler nem ouvir o outro, falar nem escrever... tudo isso é muito ruim, mas mesmo assim  acho que eu não perderia a vontade de fazer aquilo que sempre sonhei: contar as Mémoires de ses 30 ans!

Gente, obrigado mesmo por ter vocês de volta em minha caixinha de “badulaques”.
Ressuscitei... de verdade!

Petro

terça-feira, 25 de maio de 2010

Iguais nas multidões...



 
>>> É sempre assim... não me dou conta de pensar com a mínima razão possível. E se as coisas saem da órbita, já deliro. Não tive pai presente por toda a vida para me ensinar a agir como homem; também não sei agir como mulheres. E se minha mãe tentou me passar um pouco de segurança, errou quando me excedeu de cuidados. Coitada! Achou que criar um filho é dividir-se ao meio e dobrar-se para ser o pai e a mãe.

Liguei para ela quando entendi que havia um cara com meu sobrenome, com um nome similar ao meu, com uma identidade suspeita. (Sim, suspeita, já que para mim tudo passava a ser alvo de suspeita, até eu.). Bem, como não me atendeu, desisti.

Retornei a ligação para aquele número. Conversei com o Pedro e as dúvidas só aumentaram. Em nada adiantou já que tanto para mim quanto para ele, tudo parecia uma brincadeira, um trote... eu até queria que fosse, eu disse, mas não é. Desliguei...

Há coisas que não se resolvem à distância. Eu não sabia de nada, sempre fui enganado. Por quem? Eu queria saber... Estava muito perturbado assim que descobri. Aliás, assim que não descobri minha identidade, minha origem. Não sei ainda o que é pior: aceitar que os outros nos coloquem em caixinhas ou descobrir que não há uma sequer caixinha para entrar.

Depois de muito pensar recostado à porta do banheiro, olhando no espelho, deitei-me na cama gelada e apaguei. Geralmente, não costumo dormir com facilidade depois de um problema. No entanto, acho que o próprio desgaste emocional, o susto, sei lá, me fizeram adormecer até tarde do dia seguinte.

Acordei com o toque do celular. Uma mensagem: Oi,cara, queria conversar novamente. Não sei o que está acontecendo. Estou confuso. Me retorne assim que puder. Pedro.

Retornei... claro! Havia sido grosseiro ao desligar subitamente na noite anterior. Eu sentia um misto de medo e vontade, de raiva e alegria, uma angústia ao certo. Queria que 250 km fossem percorridos em 2 minutos.

“Oi, onde você está? Ok, chego aí em dois minutos.”

Odeio escadas rolantes com excesso de pessoas, elas parecem paradas. Sempre gostei de multidão para olhar, nunca para me sentir mais um perdido no meio dela. E agora eram muitas as multidões, gente de todas as cores e os flashes de sol seco entre espelhos e relógios gigantescos nos braços de mulheres reluzindo para mim. Mãos entre os olhos. No meio da avenida, me vi um alvo... era tudo o que eu conseguia ser naquele instante, menos alguém que se conhecesse de verdade. Eu não me conhecia. Queria saber, queria me ver menos ofegante... menos apressado, mas a pressa me levaria à perfeição.

Adiantei os passos e ainda cheguei a chocar contra algumas pessoas. Mas, uma batalha já havia vencido: a multidão se transformara em apenas alguns transeuntes perdidos como eu na Praça da Liberdade. Ironia!
Passos leves agora... ploc, ploc, ploc... ploc.

“Oi”, eu falei, depois de mais de um minuto parados sem entendermos tamanha contemplação. “Estranho”, ele disse enquanto nos mantínhamos abraçados.

Chorei, mas evitei que visse. Deve ter visto, impossível! Afastei-me um pouco e tive a sensação de que eu havia me abraçado como quem tenta cumprir o gesto consigo mesmo diante do espelho.

“Quem é você? Por que é tão igual a mim? Como pode ser tão parecido a mim?”

“Não sei... há anos venho tentando descobrir... há anos tento entender o sentido das coisas, a coerência da vida. E agora olho pra você e acho que começo a me ver por outro ângulo, não mais por dentro. Você nunca se perguntou quem você é?”

“Não, nunca precisei, Petro. Mas agora continuo mais confuso. Temos os mesmos 28, o mesmo sobrenome, prenomes similares, a mesma cara...e agora as mesmas dúvidas. Somos gêmeos?”

“Não sei! Desconfio do óbvio. Bem, não vejo outra saída senão agora procuramos por Rafael Lins. Ele deve nos explicar.”

“Como assim Rafael Lins? Quem é Rafael Lins para você?”

“Rafael Lins é alguém por quem venho procurando faz algum tempo, acho que ele é meu pai. Foi ele quem deixou o seu número em meu apartamento antes de ir embora, há pouco mais de um ano.”

“Não, não pode ser! Rafael Lins te conhece? Onde ele está? Se for o mesmo Rafael em quem estou pensando, ele é... ele é um amigo de infância... e... faz tempo que não o vejo, nem sei por onde anda. Temos a mesma idade também. Ele não pode ser seu pai, tem a nossa idade, cara!”

O céu volta contra mim, esconde-se por trás das nuvens escuras e eu mergulho numa imensidão de dúvidas outra vez. Apenas uma certeza: a vida fica menos coerente quando tentamos desvendar os seus segredos. Eu não desisto...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A terceira margem de mim



>>> Do corredor que dá acesso a meu quarto, escutei uns passos.  Parei para ouvir melhor. Silêncio. Poderia ser apenas uma impressão estranha se eu não tivesse certeza que, em seguida, ouvia o barulho das chaves na mesa de centro omo sempre fazia.

“Lins, você está aí?”
Silêncio descontínuo entre vento e ventania. Meu celular voltava a disparar. Era a minha mãe. Nem esperou eu ligar.

Oi minha mãe, a bênção!... Feliz dia das mães!... Estou muito feliz por você ser a minha linda mãe e eu, teu único garoto. Só não gosto da ideia de você está aí e eu aqui só. [...] Obrigado, eu te amo. [...] Estou sim, tento me alimentar bem na medida do impossível. [...] Ah, gostou? Queria te enviar algo melhor, algo diferente; espero que goste de verdade. [...] E as flores chegaram conservadas? [...] Não há porque agradecer, é um mimo apenas. [...] Sim, eu sei. Tento ligar, mas ele não me atende, diz que o número não existe. [...] Não posso desistir, minha mãe. Eu o amo, sempre amei, sinto falta dele, você sabe disso. [...] É... mas... por muito tempo queria que ele me amasse como eu o amo. [...] Não vou chorar. Eu sei. Não agüento mais esperar, mãe. Fico ansioso pra encontrá-lo. [...] A culpa é sua também que me manteve longe dele. Desculpa, minha mãe! [...] Sei que queria me proteger, mas eu sei me proteger, eu tenho 29 anos agora, esqueceu? Sei o que é certo pra mim. [...] Tudo bem, vou esperar. [...] Mãe, ele parece comigo? É, às vezes, sou confundido na rua. Será que ele tem outro? [...] Não conheço. Ok, tudo bem. Tenho que desligar. Curta seu dia! Ano que vem quem sabe nós três juntos? Impassível para você? Para mim não... te amo. Beijo. Outro.

Levei o celular ao centro da mesinha no meio da sala. Notei que ali mesmo estava um cartão de visitas com um número de celular. Quem o deixou? “Escritório de Advocacia Lins”? Liguei imediatamente. Estava nervoso. Nunca soube que era advogado.

Alô... com quem falo? [...] Gostaria de falar com o Senhor Lins, por favor. [...]  Não, não é engano. É... Rafael Lins. Está escrito aqui no  cartão “Escritório de Advocacia Lins” com este número. [...] Como é seu nome? [...]  Como? [...] Petro? Vo... você disse Petro? [...]  Mas não pode ser, Petro sou eu... [...] Ah, perdão: Pedro... Pedro Lins, é isso? Estranho... Desculpa então.

Agora era muito para mim. Não conseguia pensar. Lágrimas de raiva, de medo... um misto de dor e falta de coerência em minha vida. Tento retornar a ligação para minha mãe, mas ela não atende, celular na caixa. Queria explicação, queria entender. Eu... Lins... outro Lins? Uma brincadeira de mau gosto? É muito para mim.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Eu, Turíbio




Eu,
Turíbio

Ao meu menino Petro
(que está por vir ao mundo)

Veste-se à lâmina que te fere ao frio
Ama-te em cama alheia onde te fez gozar
Esposa-se a vida insana desse mundo hostil
Vingo-me pelo irmão que a hora o fez sangrar!

Lins, 10 de julho de 1990.

 
>>> Fazia tempo que eu não lia nada de Guimarães Rosa. Peguei Sagarana em meio a uma literatura empoeirada na estante. Li alguns dos seus contos. No final de A hora e a vez de Augusto Matraga, um curioso papel de seda dobrado e envelhecido com uns escritos a lápis em forma de pirâmide . Por que estava ali? O que sentia quando o fez?

Inquietei-me. Reli-o novamente, e constatei que não era lá dotado de grandes originalidades rítmicas; poema de versos pobres e conteúdo reproduzido. Ah, pouco importava seus traços estéticos naquela hora. O que mais me deixava pensativo era as marcas semiológicas inscritas, como se soubesse que um dia alguém haveria de se inquietar com um texto aparentemente tão bobo.

Três marcas fincadas no poema então me faziam questionar: por que a dedicatória era para mim? Por que eu estaria por vir se eu já existia naquela data? Quem era Lins?  Não seria possível um garoto de 10 anos ter lido Guimarães Rosa com tamanha capacidade de reproduzir o teor do conto em poema. Agora passei a desconfiar da identidade de Lins. Eu, justo eu que pensava que o conhecia de perto.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Viver, verbo intrasitivo (direto)...


 
 (Foto: pedroaxl)

>>> Quando a gente quer mudar as coisas, basta olhar para o espelho e arriscar.  Não é um argumento de autoajuda, mas de vontade, mesmo que esta vontade seja movida pelo simples impulso. Foi essa atitude que tive ontem assim que o Lins saiu. Faz tempo que não penso mais em mim, e pensar muito nos outros é uma forma de esquecermo-nos de nós por quase sempre.

Eu preciso aprender a ser só, eu preciso ser mais independente. Acho que já ouvi isso de minha mãe na adolescência.  Não falo de uma independência financeira, de resolver minhas coisas, de sobreviver às lutas diárias. Não é isso. Preciso desenvolver independência interpessoal. E vou tentar, prometi ontem para mim enquanto mirava o espelho.

Tive alguns relacionamentos, namoros esporádicos... até paixões a flor da pele já vivi. Não, corrijo-me: prefiro dizer no singular. Paixão... viver paixão de verdade, só uma vez. Daquelas que a gente se pega - quando o sentimento passa - como a pessoa mais idiota do mundo, e sente-se envergonhado por ter dito que a amava depois do segundo beijo. É uma fase que prefiro não comentar, não viver... tentar me livrar. Amar é um verbo intransitivo, o poeta me lembra sempre.

Mas, voltando: hoje pus em prática o meu projeto de ontem enquanto deitado olhava para o teto. Acordei mais cedo e fiz meu próprio café da manhã. Não que nos outros dias não o fizesse; porém, o de hoje tinha mais sabor, as frutas eram mais coloridas, mais doces, o leite menos amargo. Não sei ao certo explicar. Banhei-me como quem se banha para casar e não sabe a hora certa do banho seguinte. Antes havia feito a barba, cortei-me no queixo... droga! Sangue tingindo a espuma. O vermelho no branco escorria entre os dedos. Por um instante, vi um pouco de poesia saindo de meu rosto azulado.

Cabelos semi-secos, e óculos de graus. Onde estão? Voltei ao espelho, sem mais gota de sangue. Senti-me mais jovem, só vinte e poucos! Pensei em por um pouco de que ele esqueceu, na hora do abraço, em cima da mesa do computador. Melhor não, eu disse! Melhor não depender do cheiro alheio mais uma vez. Poderia usar outros perfumes meus, mas saí com apenas o aroma do banho, o que não é ruim.

Escutei música no carro, bem alta... às vezes, baixinho para acompanhar cantando! Nunca fui fã de Michael Jackson. Quando eu era criança, ele me assustava com suas performances malditas, mas passei a ouvir algumas de suas músicas depois de sua morte e notei o quanto eram boas. Então, de uma seleção, escolhi This is it, a mais nova, e fui cantando, cantando. Fazia tempo que não cantava em inglês  - agora mais enferrujado.

Almocei no shopping após sair do trabalho. Comida japonesa me daria sono à tarde, eu sei. Não resisti. Voltei de lá depois de ver um filme sem sal a gosto. Dormi na metade com as pernas sobre a poltrona da frente sem pesar a consciência.

Parado no semáforo, tive a oportunidade de ver o pôr do sol mais vivo olhando para mim como se fosse só meu e daquela criança, que, no fim do malabarismo, me estende à mão... o semáforo arrisca se abrir. Estendo-lhe dez reais para compensar o espetáculo entre os tacos de madeira em frente ao sol e as luzes da cidade. Buzinas me irritam, mas hoje nem as ouvi, nem pirracei.

De volta para casa, uma mensagem no celular: “A viagem foi boa... neste momento respiro o vento que vem do mar em frente ao Farol da Barra. O sol já se foi há alguns minutos, pedi-lhe que iluminasse o seu fim de tarde. Lins”. Respondi: “hoje meu dia foi bem melhor sem você aqui porque o tempo não existiu para mim.” Droga! A bateria do celular descarregou. Não pude enviar.

domingo, 2 de maio de 2010

O cheiro do abraço não devolvido...

(fonte da imagem)

>>>Domingo de sol, e a vontade de ver o mar o tortura. Me tortura menos, mas queria ver o mar também. Enquanto ele arrumava a mala, fiquei recostado na parede observando os detalhes, a forma como organiza as coisas. Nunca tinha prestado a atenção. Primeiro as cuecas novas separadas das mais velhas num saquinho, depois as bermudas de um lado e as camisetas enroladinhas do outro. Calças jeans, umas 5, uma sobre a outra e dois cintos.

“Vai demorar muito?", perguntei.
“Não sei, não comprei voo de volta.”
“Como não?”
“É, depois eu compro na semana que vem, talvez."
“Não gosto disso, não gosto de incertezas.", falei.
“Então vai ter que se habituar porque na vida nada é tão certo como muitos pensam. Um professor meu disse na faculdade que a racionalidade é uma forma de a gente fingir para nós mesmos que temos controle das coisas. E o tempo fragmentado, controlado, marcado cronologicamente é um exemplo dessa tentativa.”
“Então deu para filosofar agora... Você acredita mesmo nisso?”
“A história não é que acredito ou deixo de acreditar, mas quero dizer que você vai ter que se acostumar com as incertezas enquanto...”

Esperei ele completar. Cheguei a contar até 20 segundos.

"Não vai terminar a frase?”
“Ah, esquece.”

Odeio quando as pessoas não concluem o pensamento quando conversam comigo, disse para mim enquanto o observava tentando fechar o zíper da mala.

De fato, pensei muito no que ele falou sobre o tempo. Lins às vezes me surpreende, parece uma forma de me tirar do sério.

Ainda esperei ele falar no dia em que voltaria, mas me deixou nessa dúvida. Ele faz questão de me inquietar, sente-se feliz por isso, eu penso. Ultimamente, suas saídas, suas fugas, suas idas sem volta  marcada são mais constantes.

Sinto-me incompetente diante das coisas, e, depois que ele se aborreceu porque eu havia escrito sobre ele para o leitor aqui, ele fechou-se para mim. Ao contrário do que imaginei, ele abriu-se para o mundo, ganhou mais vida, virou um sonhador. Que mal há entre mim e ele, que mal há entre nós? Não consigo entender, não mesmo.

Somos diferentes, devo admitir... não queria que fôssemos. Que droga de vida! Outro dia caminhava pela Avenida e uma adolescente me grita: Lins, Lins... não fala mais comigo? Está falando comigo?, pergunta óbvia a minha. Sim, ela disse, não me reconhece mais? Não sou o Lins, e segui. As pessoas nos confundem muito não sei por quê.

“Já vou sair!”
“Eu sei, eu vi faz uma hora.”
“Não vai me dar um abraço?”
“Não! Não consigo.”
“Então eu te dou por mim e por ti assim mesmo.”

Abraços não acontecem por um lado apenas. Abraços não funcionam se não houver verdade. Se não houver aperto, um toque recíproco. É como um aperto de mão frio, sem força, sem ida e volta simultânea num encontro de sentidos. Disse isso baixinho enquanto chorava por dentro de mim mesmo. Não era por causa da saudade antecipada, era um sentimento ruim, uma angústia de não conseguir levar a vida assim como se tudo fosse hoje, o único dia de meus 30, o fim.

Senti o cheiro de perfume em minha camiseta ainda. Por um segundo, pensei em mantê-lo porque era o resto do abraço não devolvido por mim. Concluí: abraços não existem se não houver troca, se não fizer sentido - mesmo que o respingo do perfume fique um pouco em nós como um rastro em areia de praia em tempos de chuva fina. Aos poucos, os chuviscos vão apagando lentamente aquela marca de pé. E na camiseta igualmente: o vento vai levando a fragrância até se perder, até se perder, até não mais fazer sentido.